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Algumas palavras sobre Panidrom

por Diogo Liberano

 

   Assisti PANIDROM em novembro de 2014, durante as apresentações realizadas na XIV Mostra de Teatro da UFRJ, mostra composta por espetáculos de formatura dos alunos da graduação em Artes Cênicas: Direção Teatral da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Desde então, PANIDROM sobrevive em mim não apenas como memória, mas, sobretudo, como um impossível que conseguiu se tornar possível.

 

   Há um ponto determinante que me faz abrir o coração a esta criação: PANIDROM é uma invenção, uma cidade inventada, uma ficção e, nesse sentido, é um espaço de projeção no qual nos vemos refletidos e para o qual lançamos os dilemas nossos deste mundo agora. Porém, não é uma ficção como se ficção fosse sinônimo de mentira. PANIDROM é uma mudança de olhar, uma mudança de posição e de perspectiva. É pura realidade. Por suas criaturas inventadas, pela sua geografia, pela sua linguagem e jargão específicos, a cidade PANIDROM é, desde sempre, um mundo possível.

 

   PANIDROM apresenta uma pequena comunidade em busca de uma terra firme na qual aportar. Uma comunidade em busca de moradia. E é nesse percurso – nessa busca que se traduz num espetáculo itinerante, que literalmente (co)move o público – é neste percurso que acessamos, por meio das personagens, questões muito incoerentes da nossa contemporaneidade, tais como remoções e desapropriações de moradores, vigilância policial de espaços públicos desativados e ocupados por moradores de rua, questões tais como essas que nos assaltam a vista e o peito a cada esquina desse mundo rendido pela iniciativa privada.

  Chamo atenção para o trabalho atorial, absolutamente elaborado e, sobretudo, relacional, com total capacidade de afetar-se pelo público, pelo jogo cênico e dramatúrgico e pelo espaço no qual se apresenta. Chamo especial atenção também para a dramaturgia do espetáculo, que articula uma poética que não se rende à vertigem dos acontecimentos ficcionais, nem mesmo é rendida pela itinerância da cena. PANIDROM é de uma organicidade assustadora, muito potente, tudo está em conversa, mas não conversa barata, fácil, conversa bonita e legível. Preservam-se na peça as indagações que ainda não conseguimos lidar com, mas que não podem ser esquecidas e ignoradas.

 

   Eis um espetáculo que precisa ocupar a cidade, ocupar os distintos espaços. Eis um espetáculo convite que nos traz – nós, espectadores – ao embate. Ao embate com o que nos foi dito ser natural. Ao embate com a nossa condição de exploradores acostumados a não se importar com quem nos tornamos. Eis um espetáculo que fala ao mundo não para resolvê-lo, mas para colocá-lo em cheque, colocá-lo num tribunal, para que se pergunte ao mundo – e a seus homens (nós) – o que queremos fazer de tudo isso? O que pretendemos fazer de nossa única morada? PANIDROM vive.

 

 

Diogo Liberano
Curador, diretor e dramaturgo. Graduado em Artes Cênicas: Direção Teatral pela UFRJ e Pós-Graduando em Artes da Cena pela mesma instituição. Professor da Faculdade CAL de Artes Cênicas. Diretor artístico da companhia carioca Teatro Inominável.

 

 

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